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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Leituras feministas do Direito


No último dia 10 de novembro, às 19h30, no Auditório Joaquim Nabuco (FA/UnB), o Grupo Candango de Criminologia organizou um evento integrante da X Semana de Extensão da UnB (SEMEX), denominado “Leituras feministas do Direito”. A mesa foi composta por cinco professoras de áreas distintas – Antropologia, Direito, Psicologia, Serviço Social e Sociologia.

As Debatedoras do evento foram as Professoras Doutoras Rita Segato (Departamento de Antropologia e Bioética/UnB), Ana Liési Thurler (Departamento de Sociologia/UnB), Gláucia Diniz (Departamento de Psicologia Clínica/UnB) e Marlene Teixeira (Faculdade de Serviço Social/UnB).

A primeira a expor foi a Professora Dra. Rita Segato. Ela iniciou sua exposição tratando do tema das violações a direitos humanos de mulheres, sofridas durante o período ditatorial na América Latina, e do uso dos termos "femicídio" ou "feminicídio" para assassinatos cometidos contra mulheres. Rita Segato diz que essa categoria ainda nao é reconhecida pelo Direito...

Como exemplo da ocorrência do “femicídio”, a Professora citou o caso do "cadáver do campo algodoeiro", em Juárez, México. E questiona: "como tratar casos em que mulheres morrem apenas por serem mulheres?" Para tanto, segundo a Professora, ‎"é preciso pensar na complexidade do conflito que resulta na violência doméstica", no próprio conflito de gênero.

Para se pensar no conceito de femicídio, Rita Segato diz que os crimes cometidos contra as mulheres são sempre incluídos para o contexto de "guerra interna", dentro do conceito de genocídio. Mas cita os casos dos conflitos de El Salvador, Honduras e Guatemala, em que o número de mulheres assassinadas supera em muito o número de homens, com a ressalva de que as mulheres “que pegam em armas” representam um número muito mais reduzido do que os homens, que lutam diretamente entre si.

Para a discussao dos crimes sexuais cometidos contra as mulheres, é importante ver o papel da sexualidade, como meio ou como fim. Nas guerras civis, a violência sexual é considerada uma forma de se “ocupar um território” – utilizada como meio. Nos casos em que a violência se dá na esfera privada – como a praticada por maridos ou companheiros, a sexualidade é considerada como fim da violência.

A segunda Professora a expor suas opiniões foi a Glaucia Diniz, do Departamento de Psicologia Clínica da UnB. No início de sua exposição, a professora indicou que sua apresentação poderia ser considerada uma "provocação psicológica" para se ler o Direito. A professora fez um breve histórico do Feminismo, citando a obra “Reflexions on Gender and Science”, de Evelyn Fox Keller, publicada em 1985. Explicou, ainda, que os conceitos de “gênero” e “ciência” são categorias socialmente construídas, passando assim a uma segunda questão: a pretensa "neutralidade" da ciência psicológica. Segundo Gláucia Diniz, "os vieses dos psicólogos funcionam como lentes que distorcem o mundo". Cita também a filósofa Nancy Fraser e o conceito de “androcentrismo”, destacando: "pensar gênero é pensar família, politica, à luz deste pensamento androcêntrico, destes padrões de valores androcentricos constantemente institucionalizados". Como exemplo, a professora citou as eleições presidenciais, em que vários assuntos foram colocados na pauta exatamente por haver duas mulheres na disputa à Presidência da República.

Prosseguindo na evolução histórica sobre o Feminismo, Gláucia Diniz disse que, nos anos 1970, o sexismo afetou a análise de diversas patologias infantis, em que mulheres foram responsabilizadas pela herança destas patologias, sendo que os pais sequer foram analisados. Um estudo da American Psichologycal Association (APA) de 1975—1985, detectou que a mulher era a grande causadora de problemas de saúde na família!

Para a professora, o principal impacto do feminismo foi a conscientização sobre o papel político e transformador do conhecimento. O pensamento feminista desconstruiu uma série de categorias (científicas) construídas de forma preconceituosa, e destinadas a manter estes preconceitos. Houve reflexões importantes sobre a complexidade das questões associadas ao Feminismo, como, por exemplo, é o caso da própria concepção de família.

Em sua apresentação, Gláucia Diniz cita a Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cláudia Fonseca, e alerta para um risco das concepções feministas, ou reafirmadoras de gênero: "ao desejar a igualdade, desqualificamos a noção de diferença, o que pode gerar mais inferioridade".

Partindo de três conceitos tão complexos e diferentes, como são gênero, Psicologia e Direito, Gláucia Diniz destaca os desafios em torno da violência contra a mulher. O primeiro aspecto é a necessidade de se perceber a complexidade e a (necessária) diferença de tratamento entre mulheres que sofreram uma única agressão, em relação a uma mulher que passa 30 anos sofrendo abusos. São, igualmente, atos que configuram violência contra a mulher, mas que requerem tratamentos completamente diferentes. Ressaltou que, na observação das práticas judiciais e do Feminismo, a tendência dos próprios juízes é de penalizar mulheres vulneráveis.

Outra referência citada por Gláucia Diniz foi Helena Machado, Professora de Sociologia da Universidade de Minho (Portugal).

Finalizando a intervenção de Gláucia Diniz, a Professora Ela Wiecko comenta que, no campo jurídico, se usam os conceitos psicológicos como se fossem "verdades irrefutáveis". Como se viu da apresentação da Professora, estas constatações dos componentes das agências formais de controle penal estão equivocadas.

Em seguida, passou-se a palavra à Dra. Ana Liési, Professora do Departamento de Sociologia. Também iniciou a sua fala aderindo à posição trazida pela Professora Gláucia Diniz, de que não existe neutralidade nas ciências sociais, humanas. Explicou que, “na Modernidade, a democracia nasceu sexuada, classista e racializada". Citou como referência o livro "História das mulheres no ocidente", de Georges Duby e Michelle Perrot.

A professora foi categórica ao dizer que “as legislações são direitos definidos pelos homens: a produção de leis foi feita por meio de um parlamento monossexuado, manifestando claramente a defesa da ordem patriarcal". E também fez um resgate histórico, ao citar a primeira parlamentar brasileira, Carlota Pereira Queiroz (1933), seguida depois de Berta luz, em julho de 1936.

Outras fontes de pesquisa citadas foram Catharine Mackinnon, especialmente sua obra Women's livès, men's laws, e Pierre Bourdieu, com “A dominação masculina”.

Para finalizar sua intervenção, a Professora Ana passou à discussão sobre a Lei nº 12.318/2010 (Alienação Parental). Citou dados do IBGE, de 2008, sobre a filiação no Brasil: somente 1 em cada 3 crianças brasileiras nascem no casamento. Defende ainda: “direitos reprodutivos são direitos humanos”, e cita algumas iniciativas legislativas que visam a cercear estes direitos, como é o caso do chamado “Estatuto das Famílias”, em trâmite na Câmara dos Deputados. Em relação às frequentes “oscilações legislativas”, levanta uma importante questão: “como perpetuar a contradição da ‘maternidade compulsória’ (sem direito a aborto) com uma ‘paternidade optativa’?”.
Segundo a Ana Liési, a lei da alienação parental desqualifica e deslegitima testemunho da mãe e da criança.

A Profa Marlene Teixeira, do Departamento de Serviço Social da UnB, foi a última a debater no evento. Citou Pierre Bourdieu e Michel Foucault para falar da ocupação masculina no sistema de justiça. Marlene fez uma síntese das falas das demais professoras, inserindo em sua fala o papel do Serviço Social para o desenvolvimento do sistema de justiça. Para ela, o/a assistente social tem a função de ajudar na "busca da verdade", sobre a família e a sociedade. A Professora também citou a contribuição da proposição de políticas públicas, como saúde e educação, para o reforço de muitos conceitos do sistema de justiça.
Passando ao Feminismo, a Professora Marlene diz que o protagonismo de se olhar o Direito por uma perspectiva feminista é um fenômeno mais amplo que ocupa espaço importante que pode ajudar na "desjudicialização" da sociedade brasileira.

Assim que a Professora Marlene terminou a sua fala, passou-se a uma “rodada de perguntas”: alunos perguntaram, principalmente, sobre a inclusão do homem na discussão sobre o Feminismo e a contextualização do conceito de misogenia.
Rita Segato responde à primeira pergunta, já dizendo que a Modernidade produziu armadilhas, como o próprio femicídio. As mulheres, geralmente, não contemplam seu próprio universo particular, preocupam-se em se adequar ao universo masculino, e não se vê ao contrário – o homem se adaptando ao universo feminino.

A Professora Rita Segato ainda indicou as cinco características fundamentais do homem moderno de sucesso: ser branco, heterossexual, "letrado", pai e proprietário. Segundo Rita, “quem não tem uma dessas características, tem que se ‘travestir’ para se adaptar”.

A Professora Ela ainda comentou sobre o “incômodo” do aluno ao ver que só há mulheres na mesa de debates. Esta observação foi feita pelo aluno, no momento em que formulara a pergunta. Em resposta, Ela "inverteu" a pergunta, ao dizer que, nas práticas judiciárias, a situação é completamente oposta: as posições são essencialmente masculinas. Quando alguma mulher se destaca, ela é quem incomoda.

Em relação ao conceito de misogènia: “a mulher é um ser inferior”. Trata-se de ima ideologia que subestima e desqualifica a mulher.

O evento foi muito produtivo, contou com a presença de vários alunos dos cursos de Direito, Letras, Filosofia, Ciências Sociais, Ciência Política, entre outros. Todas as falas foram suficientemente claras e ensejaram uma série de discussões sobre o papel da mulher nas práticas judiciárias, no enfoque jurídico sobre a violência de gênero e, principalmente, sobre a necessidade de se considerar vários aspectos de um mesmo problema, sob uma perspectiva multidisciplinar e complexa.


“Referências”

1 – Feminicídios – Massacre do “Campo algodoeiro” : Link para notícias: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=40538&busca=
Twitter: @Feminicidios

Filme sobre o massacre de Juarez: Cidade do Silêncio (Bordertown ) Gregory Nava. EUA/ Reino Unido, 2007.

2 – Sobre Evelyn Fox Keller: http://en.wikipedia.org/wiki/Evelyn_Fox_Keller

3 – Sobre Nancy Fraser: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nancy_Fraser

4 – Sobre Cláudia Fonseca:
http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/12.shtml
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4781974Z8

5 – Sobre Helena Machado:
http://www.ces.uc.pt/investigadores/cv/helena_machadoen.php

6 – Sobre Catharine Mackinnon:
http://en.wikipedia.org/wiki/Catharine_MacKinnon

7 – Pierre Bourdieu, “A dominação masculina”:
http://www.scribd.com/doc/22202066/BOURDIEU-Pierre-A-dominacao-masculina

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