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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Carta aberta contra a redução da imputabilidade penal

Do Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ - http://www.ladih.org/wordpress/



É com preocupação que assistimos, no Congresso Nacional, a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171/1993) que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. 

Preocupa, sobretudo, o debate sobre o tema no país que aponta os adolescentes como responsáveis pelo aumento do índice de violência. Conforme os dados oficiais, o Brasil conta hoje com 21 milhões de adolescentes. Destes, tão somente 0,013% cometeu crimes contra a vida. 

O que realmente acontece no Brasil é que a população adolescente, em especial a pobre e negra, vem sendo sistematicamente vítima de assassinatos. O Brasil é o segundo país do mundo em número de homicídios de adolescentes, atrás apenas da Nigéria, de acordo com as estatísticas da ONU. Entre 2006 e 2012, em torno de 33 mil adolescentes, entre 12 e 18 anos, foram assassinados no Brasil. 

O sistema penal brasileiro tem se mostrado seletivo, o que é comprovado pelas políticas de segurança pública que privilegiam a punição das infrações para a camada mais pobre da população, em detrimento de políticas públicas de acesso a direitos individuais e sociais, como educação de qualidade, saúde e moradia. Tratar os delitos cometidos por adolescentes como questão exclusivamente de segurança pública sem avaliar o acesso à cidadania e à justiça social pode ser um erro fatal para o desenvolvimento do país no presente e no futuro. 

O sistema penitenciário brasileiro é precário e despreparado para receber jovens e adolescentes, mais ainda para reinseri-los na sociedade. A proteção da infância e da adolescência é a saída mais eficaz para evitar que os jovens e adolescentes em situação de risco cometam infrações. É necessário combater as causas da (reduzida) criminalidade juvenil, não seus efeitos. Revela-se extremamente perigosa a estratégia de expor a juventude ao ambiente prisional sem estruturar a sociedade para abordar a questão da violência de forma integral. 

A redução da maioridade penal vai produzir um aumento considerável do já enorme encarceramento da juventude, pois a partir dos 18 o jovem já é equiparado ao adulto para o efeito da punição. Isto porque, apesar do Estatuto da Juventude, em vigor desde 2013, no Brasil não se confere nenhum tratamento diferenciado ao jovem brasileiro entre 18 e 29 anos, ao contrário de várias legislações de países, em que a pena para o jovem é sempre menor que a pena do adulto. 

Timidamente, a única coisa que a nossa lei penal prevê é uma atenuante genérica para o menor de 21 anos e a contagem do prazo de prescrição pela metade. Nada mais. Não temos nenhum tratamento diferenciado para os jovens. Além disso, no cenário internacional, ao contrário do senso comum, seríamos um dos poucos países, na média mundial, que estabelece a maioridade penal antes dos 18 anos. 

Outra falácia a ser contestada é a da "capacidade de discernimento". Ninguém duvida que o adolescente tenha discernimento. O que ele não tem é experiência, maturidade, por isso o tratamento diferenciado, por isso a dignidade do adolescente como diferente da do adulto, por isso a cláusula constitucional expressa no artigo 228 da Constituição Federal. 

Os profissionais da mídia podem contribuir para uma melhor compreensão das raízes econômicas e sociais dos crimes – incluindo os que envolvem jovens como autores, uma notável minoria –, educar o público sobre as estratégias de prevenção ao crime e sobre como reconhecer e abordar os fatores de risco. No entanto, os meios de comunicação também podem influenciar negativamente a percepção do crime, o que tem lamentavelmente ocorrido durante este período de debate público. Se a mídia tende a representar de modo excessivo o comportamento violento em um determinado segmento, isso pode contribuir para que os cidadãos exijam medidas mais duras que, no entanto, não têm qualquer efetividade e podem, ao contrário, ampliar o problema. 

Os dados censitários recentes demonstram que o Brasil tem hoje a maior população jovem da história: 51 milhões de pessoas com idades entre 10 e 24 anos. Investir nesse segmento é a chave para o desenvolvimento humano deste país. Seu potencial tem que ser reconhecido e compete a todos e todas garantir os meios para que seu futuro esteja devidamente assegurado. 

Não há futuro sustentável sem a juventude, a redução a maioridade penal é, portanto, um entrave para o crescimento deste país em termos humanos, sociais e econômicos. Temos que investir no fim da negligência social, no apoio às famílias, no acesso aos benefícios e em políticas de educação, saúde, habitação, assistência social, cultura, trabalho e emprego, lazer, cidadania e acesso à justiça, conforme disposto no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. 

O Brasil é signatário de tratados internacionais de direitos humanos e, dentre eles, da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) das Nações Unidas, e está obrigado a cumpri-la. Um dos compromissos assumidos internacionalmente, portanto, é a adequação de suas normas e políticas públicas aos termos convencionais, o que foi feito, em parte, pela aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que já prevê a responsabilização de adolescentes a partir de 12 anos por atos infracionais cometidos, com a adoção de medidas socioeducativas, incluída a privação de liberdade. 

O aperfeiçoamento deste sistema, e não a redução da maioridade penal, representaria uma ação mais eficaz contra a violência cometida por adolescentes, pois representaria a efetiva oportunidade de reinserir os jovens na sociedade, de dar-lhes novas oportunidades e de construir um futuro melhor para todos e todas. A redução da maioridade penal somente aprofundará as situações de discriminação social, racial e de vulnerabilidade dos adolescentes em situação de risco, além de colocar o Brasil em uma situação de retrocesso no âmbito internacional, onde tem, historicamente, a tradição de respeitar os tratados que ratifica. 

Com a redução e o tratamento penal duro ou rigoroso para o adolescente que comete crime grave, inúmeras vezes pior do que para o adulto, estamos, terminantemente, nos recusando a oferecer-lhe oportunidades de inclusão social e de planejamento de futuro nessa sociedade excludente, complexa e altamente competitiva. Nossa cultura instituiu a adolescência, mas não queremos lidar com os problemas dessa nossa invenção, com as implicações sociais e individuais dessa "moratória". A prisão é a moratória da moratória. 
 

Como pesquisadores e participantes dos movimentos sociais e organizações em defesa de direitos humanos, esperamos que os representantes eleitos para o Poder Legislativo, revestidos da atribuição de reformar a Constituição Federal, rejeitem a PEC 171/93, assim como os projetos de lei que aprofundam a punição a adolescentes . Esperamos, igualmente, que se retome o diálogo democrático com a sociedade, a fim de melhor projetar as ações que assegurem os direitos humanos constitucionalmente previstos, que ampliem o sistema de proteção social e de garantia da cidadania.

Para assinar a petição:

https://secure.avaaz.org/po/petition/Congresso_Nacional_CARTA_ABERTA_CONTRA_A_REDUCAO_DA_MAIORIDADE_PENAL/edit/