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sábado, 16 de outubro de 2010

"Está nascendo um novo líder..."


Por Carolina Costa Ferreira





ATENÇÃO, NÃO LEIA SE NÃO TIVER VISTO O FILME! CONTÉM SPOILER! :-)


Acabei de assistir a “Tropa de Elite 2”, duas semanas após o lançamento do filme. Confesso que ainda relutava a assisti-lo – não li, até agora, nenhuma crítica especializada (ou não), apenas fiquei com a premissa de que o filme deste ano seguiria a segunda parte do (bom) livro “Elite da Tropa”, de Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel, mas devo dizer que fiquei com medo de uma “virada” na história que associasse enviesadamente a corrupção do chamado “sistema” ao heroísmo do Capitão Nascimento. Temia a "protogenização" da história.

No início, logo me identifiquei com o “idiota defensor de direitos humanos”, Diogo Fraga, personagem interpretada por Irandhir Santos. Já previa a mesma decepção ao me identificar, no primeiro filme, com os estudantes entusiasmados de Foucault. Pressentia minha frustração, especialmente com os arroubos de arrogância do agora Coronel Nascimento, que dizia que ele tinha acabado com o arrego dos policiais nas favelas, sem perceber que o “sistema” cria outras múltiplas portas, como as milícias.

No decorrer do filme, fui mudando de ideia. Fui percebendo que a luta do defensor de direitos humanos se tornava mais real, e o mito do herói Coronel Nascimento foi se desconstruindo na telona. Ele passa a se reconhecer como humano, que erra como pai, e também como massa de manobra do “sistema”, quando se dedica a um trabalho sem saber de suas consequências. E nós o acompanhamos neste reconhecimento – especialmente quando as palmas equivocadas do primeiro filme se retratam na cena do restaurante, nos primeiros momentos da continuação. Ali, o público que aplaudiu as investidas do Capitão Nascimento em suas torturas e operações já deveria desconfiar que as coisas mudaram um pouco de figura.

O envolvimento de políticos com milicianos se desdobra e se resume na corrupção de agentes públicos, que pressionam o tráfico de drogas e atingem todas as atividades da favela, como o comércio, o transporte público, luz, Internet e telefone. As milícias substituem o Estado e se colocam numa posição perigosa e completamente ilegal, fomentando a guerra civil. “Está nascendo um novo líder no morro do Pau da Bandeira”, canta o grupo de pagode na “festa da comunidade”, dando outra interpretação ao samba de Leci Brandão.

Achei muitíssimo importante retratar todas estas realidade no filme, mas temo o entendimento de que o problema das milícias seja apenas do Rio de Janeiro. Como lembra o próprio Coronel Nascimento, o ser humano tem a tendência a se complicar, a se enganar. Assim como temo que o público de Brasília, que aplaudiu ardentemente as cenas de tortura e violação a direitos humanos no primeiro filme e agora se manifestou tímida e vergonhosamente ao final desta continuação, não tenha prestado atenção suficiente na reprodução quase fiel do comportamento dos deputados federais, no fictício Conselho de Ética.

A saída final para a política criminal e penitenciária, escolhida pelo voto de cada um dos eleitore, suscita uma boa discussão neste período eleitoral. Afinal, como disse um aluno no Curso de Extensão de Introdução à Criminologia, hoje de manhã, “ninguém presta atenção nas propostas dos candidatos à Presidência na área da segurança pública, quando se diz que vão melhorar as condições de vida nos presídios”. Direitos humanos não são prioridade. Presos não são prioridade, são a classe subalterna. Pensar em políticas de segurança pública é complexo mesmo.

Saí do cinema com a certeza de que esta continuação merece até mais reflexões do que o primeiro filme, sobre o papel das polícias, das políticas de segurança pública, da falta de reflexão da população sobre o problema da violência e da corrupção. E, pessoalmente, um pouco mais resolvida quanto à minha opção profissional.

*As opiniões expressadas neste artigo são de inteira responsabilidade da autora, e não representam a opinião institucional do Grupo Candango de Criminologia.

4 comentários:

  1. Eu tive uma impressão bastante parecida com a sua. No primeiro momento um pouco desconfortável com a posição do Fraga. Mas depois o filme mostra que as duas vertentes de pensamento, do Fraga e do Nascimento, apesar de opostas têm um ponto em comum: a vontade de uma mudança. A partir daí o rumo do enredo muda... não há mais a vontade de embate, mas de cooperação. E é assim que deve ser.

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  2. Carol, assino embaixo.
    É, a porta para o debate da segurança pública está escancarada, mas falta a população aceitar metermos o dedo na ferida. Até lá, vamos de pomadinha eleitoreira.

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  3. Adorei o que vc escreveu, Carol! Me surpreendi com o Padilha na forma como o filme se desenvolveu em torno do personagem do Fraga, com o qual me identifiquei desde o início, ainda mais com as cotoveladas do meu marido, companhia de cinema, me avisando: "ih, olha lá suas aulas"... risos... Consegui até ter simpatia pelo Coronel Nascimento, não pelo final heróico, mas pelas constatações que ele foi fazendo ao longo da história. No mais, ADOREI o filme, acho que ele será um ótimo mote de discussões no nosso grupo.

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  4. Oi carolina, vi na tv vc fazendo uma critica ao sistema de justica penal. Concordo com o seu ponto de vista a respeito da magistratura. passo para parabeniza-la pela sua defesa de tais temas. Aproveito para divulgar meu blog fabioataide.blogspot.com/

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