Nota de repúdio ao Manual de
Sobrevivência do PDU
O Manual publicado pelo Partido Democrático Universitário
– em sua capa estampado: “Como cagar em cima dos humanos em 12 lições” –
pretende abordar de forma bem humorada o cotidiano da Faculdade de Direito da
UFPR. Porém, ao escrever tal manual, o que esses veteranos e veteranas fizeram
foi evidenciar a cotidiana opressão machista.
As "piadas" provocativas, quando colocadas no
contexto das relações sociais das quais elas derivam, representam tentativas de
legitimação de opressões e violências reais que ocorrem todos os dias contra as
mulheres. Segundo o manual:
“(...) No primeiro ano você é calouro de todos os anos, é
o centro das atenções da faculdade (na verdade o “segundo centro”, pois o
primeiro são as calouras)(...).” (p.1)
“A garota foi com você ao quarto, prometendo mundos e
fundos (principalmente fundos), mas o máximo que você conseguiu foi um beijo:
Código Civil, art.233- obrigação de dar: 'A obrigação de dar coisa certa
abrange os acessórios dela embora não mencionados (...)'”.
“Ela prometeu e não cumpriu. Disse 'vamos com calma':
art. 252,§ 1º Código Civil: 'Não pode o devedor obrigar o credor a receber
parte em uma prestação e parte em outra'. Ela vai ter que dar tudo de uma
vez!" (p.7)
A mulher, colocada em destaque no primeiro trecho, ocupa
essa posição não como um sujeito, mas sim como um objeto sexual, como se pode depreender
dos trechos seguintes. Sua subjetividade está reduzida ao plano do direito
obrigacional, da coisa que será manuseada. Em suma, a posição da mulher, como
colocada na relação jurídica obrigacional, é a de servir, independentemente de
sua vontade. Esta é uma concepção reiterada histórica, cultural e
ideologicamente por uma sociedade que permanece estruturalmente machista. O
manual em questão, que reitera a perspectiva de domínio masculino sobre a
mulher, é claramente uma prática agressiva e atentatória à dignidade feminina.
Mais ainda: é crime, à medida em que a obrigação de “DAR”, tudo de uma vez,
independente da vontade, incita à prática de estupro.
A coisificação da mulher pelo manual a submete à condição
de objeto de estupro, como se isto fosse natural – como se sua mera condição de
mulher a encaixasse, de imediato, em prontos moldes. Talhada historicamente
para servir à sociedade, conforme a conveniência: santa ou puta. Assim a
questão se coloca: estar sempre a serviço dos homens – calouros, veteranos,
maridos, pais.
“Se seu amigo prometeu a você arranjar aquela garota e
não conseguiu, Código Civil, art.439: 'Aquele que tiver prometido fato de
terceiro responderá por perdas e danos, quando este não executar'”. (p.7)
Sendo assim, o leilão está aberto. Quem dá mais pela
garota? Essa é a dita nos corredores desta universidade: mercantilização e
exploração do corpo feminino. Segundo a lógica sistêmica do manual, temos a
seguinte compreensão: se a menina não é bonita, se não segue os padrões de beleza,
estuprá-la é dar-lhe oportunidade de tirar o atraso; se a menina sai de saia
curta e é estuprada, não há problema, uma vez que ela “colabora” com o fato; se
a menina, numa festa, bebe demais, estuprá-la é não mais que o direito do homem
de receber diante da promessa de DAR. Assim como algum dia os Códigos regularam
a aquisição de escravos, quer-se regular agora a exploração e estupro feminino
na Universidade.
A ideia reproduzida por esta dominação masculina é de que
não precisamos levar a sério o estupro e todos os atentados contra a livre
sexualidade da mulher que permanecem frequentes em nossa sociedade. E, enquanto
isso, no Brasil, a cada 12 segundos, uma mulher é estuprada, segundo dados do
Conselho Estadual de Direitos da Mulher - RJ (e isso sem contar as cifras
ocultas, daquelas muitas mulheres que têm vergonha e/ou medo de fazer a
denúncia, sendo que menos de 10% dos casos de violência sexual chegam às
delegacias de polícia). Ainda, segundo dados de 2004 da Anistia Internacional,
1 em cada 5 mulheres será vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro até o fim
de sua vida, e 1 em cada 3 já foi espancada, estuprada ou submetida a algum
outro tipo de abuso. Os dados apontam ainda que a América Latina registra os
mais altos índices de crimes sexuais. Estupro não é brincadeira, é real.
A mensagem do Manual é clara: quem manda é o HOMEM, a
mulher é o objeto e não o sujeito, devendo assumir uma postura calada, de
dependência e passividade. O Manual diz: a mulher não tem direito sobre seu
corpo; deve, primeiro, atender e se submeter às expectativas sexuais dos
homens. O que se diz no Manual, como piada, é que a mulher é o ser passivo (ou
objeto) da relação obrigacional, perde sua autonomia, sua liberdade, sua
capacidade para se autodeterminar, pensar, querer, sentir e agir.
As mulheres que assinam essa Nota dizem em resposta:
“Nós, mulheres, não somos objetos sexuais. Nosso corpo é nosso pra escolher ter
prazer quando queremos ter prazer. Temos autonomia sobre nossos corpos para
dispor de nossa sexualidade como quisermos, e devemos ser respeitadas. Não
somos os objetos de satisfação de prazer egoísta que a mídia impõe. Não viemos
para servir a homens, veteranos, pdu's ou não”. Abaixo o manual machista!
Parece que a sociedade não evolui, achar graça, ao colocar a mulher em situação coisificação, é triste.
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