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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Monitoramento eletrônico de presos

Texto originariamente no blog "Sem Juízo", do juiz Marcelo Semer:

Monitoramento eletrônico reforça seletividade do direito penal





O artigo que segue foi escrito pela advogada Carolina Costa Ferreira*, do Grupo Candango de Criminologia (GCCrim) e explica porque ser contra o monitoramento eletrônico de presos: aumenta custos sem retirar do cárcere quem nele não devia estar. Como alerta a professora, a medida apenas reforça os mecanismos de seletividade do direito penal.





Monitoramento eletrônico de presos: do discurso de redução da população carcerária ao efeito estigmatizante




O monitoramento eletrônico de presos foi aprovado pela Lei nº 12.258, de 15 de junho de 2010. Trata-se da “possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta”, como a própria lei indica. Na prática, são tornozeleiras ou pulseiras colocadas no corpo do condenado, para que os órgãos de execução penal possam monitorar todos os seus movimentos.

As experiências estrangeiras indicam o uso restrito desta medida. A primeira iniciativa de implementação do monitoramento eletrônico como medida de execução penal se deu nos Estados Unidos, pelo juiz Jack Love, de Albuquerque, New México, em 1977, inspirado por um dos episódios de “Homem-Aranha”.

Nos anos 1980, o método já era usado em todos os Estados americanos, em todas as fases do processo penal, inclusive antes do julgamento, como alternativa às prisões processuais, principalmente para casos de crimes de trânsito e drogas.

Na Europa, o primeiro país a adotar referida medida foi o Reino Unido, em 1991, para menores a partir de 12 anos e reincidentes em crimes sexuais, seguido da Suécia, em 1994, para delitos envolvendo entorpecentes. Itália, Alemanha e Andorra também aplicam este sistema de monitoramento eletrônico, em medidas restritas.

O principal argumento fático dos defensores da aprovação da medida no Brasil seria o desafogamento (quase imediato) do sistema carcerário.

O relatório do Projeto de Lei aprovado no Congresso Nacional e submetido à sanção presidencial declarava isto textualmente. No entanto, os dispositivos aprovados indicam a aplicação do monitoramento eletrônico apenas aos casos de saída temporária e prisão domiciliar.

Não foram incluídos, nesses termos, os condenados a regime fechado. Não há menção, ainda, a presos provisórios.

Em toda a discussão travada em torno do tema, os discursos favoráveis à inserção do monitoramento eletrônico no Brasil argumentavam que: (i) seria uma medida que “desafogaria o sistema carcerário”; (ii) o custo do instrumento a ser utilizado para o monitoramento – tornozeleira ou pulseira – seria menor do que o custo de um preso; (iii) não haveria qualquer tipo de estigmatização dos condenados, pois o dispositivo eletrônico seria “não ostensivo”.

O fato é que nenhum destes argumentos subsistiu à redação da lei. E um assunto tão sensível requer interpretação constitucional, para que se compreenda se, à luz das garantias e direitos fundamentais, é possível que o legislador disponha sobre a integridade física dos condenados submetidos ao monitoramento eletrônico.

De um lado, defende-se a segurança pública – e uma política que tenha como discurso fundamental a diminuição da população carcerária –, versus a liberdade individual.

Como garantir o direito de punir do Estado, sem discriminação atentatória a direitos e liberdades fundamentais? Como definir a individualização e a proporcionalidade da pena, contendo a noção de “justa retribuição” e o princípio da intervenção penal mínima?

Percebemos que o direito fundamental à segurança, tratado de modo coletivo, seguindo uma inescapável cultura do controle, assume uma posição nitidamente superior em detrimento à liberdade individual. O próprio artigo 5º prevê uma série de garantias que devem ser asseguradas aos processados e condenados em processos criminais (art. 5º, incisos LXI a LXVI da Constituição Federal). Além disso, o Supremo Tribunal Federal, em diversos julgamentos, compreende que a prisão constitui medida excepcional, em nosso Estado Democrático de Direito.

Mesmo assim, a funcionalidade do sistema penal continua a determinar tipos de sujeitos passíveis de criminalização. A prisão cumpre uma função reprodutora e seletiva, pois a pessoa rotulada como condenada e delinquente assume o papel que herdou, reforçando o seu papel.

Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional – DEPEN, órgão do Ministério da Justiça, em junho de 2010, havia 183.184 presos em regime fechado; 163.263 presos provisórios; 72.734 presos em regime semi-aberto; 4.198 condenados cumprindo medidas de segurança, totalizando 494.237 presos.

Os dados referentes a prisões domiciliares são muito pouco relevantes no nosso sistema penal. Vivemos, assim, num estado de máxima expansão do sistema penal, especialmente no que se refere aos presos provisórios.

Para que se discuta a constitucionalidade da regulamentação do monitoramento eletrônico de presos, é importante que se considere esta capacidade do sistema penal, de selecionar para excluir. Não se pode considerar a medida meramente “desencarceradora”, na medida em que “beneficiará” uma ínfima proporção da atual população carcerária, mesmo que em percentual muito reduzido, como demonstrado acima.

Até que ponto proporcionar um novo estigma a um condenado pode ser uma medida que atenue o controle penal? Esta questão não ultrapassa limites de constitucionalidade?

É importante verificar as razões de veto de mais de dez incisos da Lei, declaradas pelo Ministério da Justiça: “[...] a adoção do monitoramento eletrônico no regime aberto, nas penas restritivas de direito, no livramento condicional e na suspensão condicional da pena contraria a sistemática de cumprimento de pena prevista no ordenamento jurídico brasileiro e, com isso, a necessária individualização, proporcionalidade e suficiência da execução penal. Ademais, o projeto aumenta os custos com a execução penal sem auxiliar no reajuste da população dos presídios, uma vez que não retira do cárcere quem lá não deveria estar e não impede o ingresso de quem não deva ser preso.”

As razões de veto, na realidade, reproduzem a inutilidade da lei.

Justificativas em apoio ao monitoramento fundamentadas em “custos econômicos” sempre são questionáveis, pois excluem da discussão a execução de políticas públicas de educação, saúde, moradia, alijando-se a discussão, sem considerar políticas sociais como políticas de segurança pública.

O “Relatório sobre a Criminalidade no Brasil”, publicado em 2007 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), informa que os custos econômicos do sistema prisional equivalem, diretamente, ao “custo de bens e serviços públicos no tratamento dos efeitos da violência e prevenção da criminalidade no sistema de justiça criminal, encarceramento, serviços médicos, sociais e proteção das residências”.

Como custos indiretos, registre-se a perda de investimentos, por envolvimento de agentes e vítimas no processo punitivo gerado. Além disso, os custos sociais da prisão são fortemente sentidos, gerando sensação de insegurança, desconfiança, causando doenças associadas a traumas pela violência e alterações comportamentais (íntegra disponível em: http://www.unodc.org/brazil/pt/statistics.html).

Assim, a discussão que motivou a aprovação do monitoramento eletrônico no Brasil se alia ao chamado “Direito Penal Simbólico”, que parte da premissa de que o endurecimento das leis penais terá fins de prevenção geral negativa.

Quando se compara o argumento empregado – de que o uso da “pulseira” ou “tornozeleira” reduzirá a criminalidade – quando, na realidade, seu uso se direciona a, no máximo, 5% da população carcerária (considerando as estatísticas referentes ao regime aberto e de prisões domiciliares), sem compromisso com a redução do encarceramento, é difícil perceber a real necessidade do monitoramento eletrônico de presos, a não ser para reforçar mecanismos de seletividade próprios do sistema penal.

Medidas alternativas já inseridas no sistema jurídico, à disposição do juiz, são suficientes para instrumentalizar uma real proposta de desencarceramento e ressocialização dos condenados.

A experiência do monitoramento eletrônico, até o momento, não comprovou, em nenhum de seus países, a finalidade “vendida” no Brasil. Trata-se, assim, de medida simbólica e inconstitucional, que, na realidade, aumenta o controle penal, dentre tantas que assolam a legislação processual penal brasileira.

*Carolina Costa Ferreira é advogada, Mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB e membro do Grupo Candando de Criminologia (GCCrim)

4 comentários:

  1. Seria interessante analisar as vértices contextuais como um todo e não expressar opniões equivocadas baseadas em dados isolados.
    Talvez Carolina, você apenas conheça essas estatísticas citadas acima, desconhecendo assim a esmagadora maioria dos apenados reincidentes, dos albergados que continuam a cometer delitos, talvez se fosse vítima algum dia pensasse diferente.

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  2. Carolina, com máxima vênia ao seu pensamento aceca do monitoramento eletrônico, passo a expor a minha opinião referente a tal tema.De início, deve se observar a abrangência da liberdade vigiada, pois este mecanismo possibilitaria, em tese, que suposto infratores cumprissem suas penas de forma humanitária, inclusive aquele não abarcados pela monitoração. Senão vejamos, a saída dos autores de crimes de pouca gravidade do cárcere acabaria desafogando as prisões, proporcionando melhores condições para os que permanecessem custodiados.

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  3. o monitoramento eletronico e muito constrangedor a puseira poderia ser mais discreta

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  4. o monitoramento eletronico de presos no brasil como todas as leis,sao falhes e so contrangem pos ja prezenciei auguns detentos nesse regime, a cometer crimes !!!

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